Carta
Reparações: O caminho para a Democracia no Brasil
Convidamos ativistas independentes e membros de várias organizações da sociedade civil, Movimento Negro, movimentos sociais, sindicais e segmentos afro-religiosos de diferentes gerações que, ao longo das últimas cinco décadas, vêm realizando ações e articulações sociopolíticas de enfrentamento ao racismo sejam no campo do direito, das políticas públicas, da educação popular, da cultura, das artes e da memória, para a construção coletiva de um sólido debate político sobre as reparações, e a mobilização da sociedade civil para a elaboração e aprovação de políticas efetivas de reparação para o nosso povo negro.
Uma história do Brasil construída sob o ponto de vista da epistemologia negra, decolonial, é um dos fundamentos para sustentar este debate. Mas não vamos parar aqui. Nossa visão estratégica é viabilizar o pleito das reparações para torná-lo um objetivo nacional permanente. Avaliamos que as condições históricas são favoráveis para as reparações, por tratar-se de uma ideia cujo tempo já chegou.
Defendemos como nossos objetivos específicos:
- Apresentar metodologias de cálculo da dívida racial no Brasil.
- Definir metas e prazos para superar o racismo institucional em áreas chave, como saúde, educação, trabalho, lazer, cultura, habitação, transporte, segurança pública e economia;
- Apresentar as diretrizes para trabalhar com:
Justiça legal: processar os perpetradores das chacinas em favelas e do genocídio da juventude negra via brutalidade policial e encarceramento em massa, desmilitarização da polícia, bem como estabelecer o domínio da lei, transformando o sistema de segurança, o judiciário e o ministério público;
Justiça restaurativa: pesquisar e consolidar os estudos que demonstrem a verdade sobre o passado, atenuando os traumas das vítimas de sofrimento físico e psíquico e reconstruindo comunidades por meio da reconciliação e da memória coletiva;
Justiça social: por um fim às injustiças econômicas, políticas e sociais e ao fascismo que criaram e mantêm violações aos direitos, definindo as bases de uma sociedade justa e fraterna. O que pode apenas pode ser alcançado por meio da adoção de reparações financeiras e simbólicas para a população nega, políticas sociais universalistas e políticas de igualdade racial – que contemplem programas de ação afirmativa, programas de valorização da cultura negra e africana e programas de enfrentamento ao racismo institucional – que observem os marcadores de gênero, classe, faixa etária e região, além do desenvolvimento sustentável dos territórios excluídos, sobretudo dos quilombos e favelas, entre outros.
Justiça Fiscal – É imprescindível realizar uma reforma tributária que faça justiça à população negra. Na tributação sobre o consumo, é necessário aliviar a pesada carga que recai sobre essa parcela da população e, especialmente, sobre as mulheres negras, que gastam, proporcionalmente mais com esse tipo de tributo que o restante dos brasileiros. No caso da tributação direta, é preciso atentar para o princípio da capacidade contributiva (art. 145, II da CF/88), que sugere que os impostos tenham caráter pessoal e sejam cobrados de acordo com a capacidade econômica do contribuinte. Ora, como salienta a pesquisadora Eliane Barbosa da Conceição, a capacidade contributiva da população negra é muito inferior àquela da população branca, o que não poderia ser diferente dado o histórico de exploração, expropriação e perseguição a qual é secularmente submetida. Diante disso, compreendemos como injusta e perversa a cobrança de tributos que não considere as especificidades e diferenças entre a população negra e os grupos dominantes no país. compreendemos que a população negra não deve pagar tributos sobre o patrimônio e a renda na mesma proporção que o restante da sociedade, por estar em situação patrimonial muito diversa.
Justiça Ambiental – Compreender o processo histórico, desde o tráfico negreiro com o desterramento de Mãe África, nosso continente de origem, passando pela Lei de Terras de 1850, a não realização da reforma agrária no pós-abolição, até os massacres em Canudos, Contestado, Caldeirão de Santa Cruz, e Pau de Colher. Nesse processo se inclui a destruição dos quilombos, desde sempre, a destruição ambiental e os crimes da mineração, do agronegócio e da energia renovável predatória, a expulsão para as favelas e sua remoção, quando as políticas higienistas e a especulação imobiliária falaram mais alto, até o adoecimento e as mortes derivadas dos deslizamentos de barrancos.
Tudo isso é legado de políticas de segregação espacial e do racismo ambiental. Sem ter para onde ir, desterrados, as distopias foram os lugares a nós destinados. Até hoje! Não mais!
Diante dos desafios de construção desse processo coletivo, comprometemo-nos:
- a construir diálogos permanentes entre os diferentes coletivos e instituições que estão realizando debates e ações sobre reparações;
- a participar da 1ª Conferência Pan-Africanista em 2024;
a realizar até 2025 um novo Seminário Internacional: Reparações – o caminho para a democracia no Brasil, na perspectiva de aprofundar e ampliar o debate sobre reparações em todo o território nacional.
Enfim, queremos dialogar com militantes, ativistas, membros do poder legislativo, judiciário e executivo dos diversos países que foram escravizados na Diáspora das Américas, bem como de países africanos, sobretudo os que têm construído ações concretas de reparações com e para os afrodescendentes.
Saudações Afro-diaspóricas!
Belo Horizonte 11 de novembro de 2023
Entidades signatárias
Coletivo Minas Pró-Reparações
SINJUS-MG
MNU
CTB
Coletivo Vozes Maria
Coletivo Negras e Negros da FENAJUD
SINDJUS-RS
SINTAJ